Professor Tortsóv III

14/04/09 - Sobe o pano seis e meia em ponto que Professor André não tem tempo a perder. Nem nós, nem nós. O ideal era cumprirmos a segunda rodada de apresentações naquela terça. E para os que não fizeram nem a primeira, fazer duas no mesmo dia. Era a idéia.

Não deu, o tempo é cruel demais com todos nós. Começamos novamente naquele silêncio aterrador do "quem vai primeiro?" André resolveu isso com alguma facilidade, olhou nos olhos de Thaísa e perguntou "tu já foi?" ela "não", "então pode ir". E tudo foi resolvido.

Ela e Evilásio representaram "um bonde chamado desejo" filme que foi visto pelos alunos umas semanas atrás, inclusive Evilásio fez nada mais, nada menos que a personagem interpretada por Marlon Brando, ui. Destaque para manguinha da blusa dele, mui sexy.

Da cena o que me marcou - A naturalidade, um dos grandes problemas discutidos nos livros de mestre Torsóv é a atenção dispersa na platéia, veneno para o ator, que deve se concentrar na vida de seu personagem e isso foi um ponto positivo na apresentação deles, realmente não deram a mínima para nós, público, no bom sentido.

Fiquei de costas para Thaísa e quase não a vi, portanto nem sei direito. Agora quanto à Evilásio senti falta que ele terminasse a banana, pois ninguém guarda uma banana para se comer depois, o que foi aquilo? Nos bastidores ele me disse "Mas é que eu comecei a comê-la no tempo errado" e eu pensei "na vida não tem tempo certo de comer a banana" e faltou um pouco de raiva, houve uma discrepância pois Thaísa dizia "pare de gritar, fale baixo" e Evilásio não gritava nem falava alto; e não apenas em uma questão de volume, mas principalmente numa questão de energia. Evilásio é um excelente ator e imagino que ele resolverá isso com facilidade para a semana.

A segunda cena foi "Casa de Bonecas" Roberto Brandão e Ingrid (guil, depois põe teu sobrenome aqui que eu esqueci) . Enfim, Beto foi mamão e Ingrid fria e calculista, a vulgo modo. E isso já são quinhentos pois são verdadeiros opostos de suas personalidades.

Da cena deles vou junto com as anotações do professor Tortsóv - pelo texto era possível perceber que a personagem de Roberto estava muito mais agitada do que foi interpretada, e aí houve ruído. Detalhe para o jogo de pernas por debaixo da mesa, que ficou visível à platéia, os pezinhos comunicando o que os rostos de mármore das personagens forçavam por ocultar.

Faltou um pouco de troca de olhar. nossa cena: minha, de Biaggio e Ju, é quase que toda fundamentada na troca de olhar. Acho uma ajuda massa pois ao olhar para o rosto da outra personagem e tendo feito um estudo bacana a reação é quase espontânea, os atores devem ser como os sistemas solares e as galáxias. Não uma galáxia estática, mas dinâmica, onde de momento em momento os atores vão adquirindo o status de Sol atraindo os outros e depois trocam sendo atraídos, e esse movimento constante de atração e órbita cria a energia que preenche o palco.

Salvo isso a dicção, mas tenho para mim que para Beto e Guil falar com clareza será a tarefa mais fácil da semana.

A última cena da primeira rodada foi a de Thaty, Jailton e André, que também fizeram Casa de Bonecas. Nessa cena também vou junto com professor Tórtsov - logo no começo, se Jailton quer comê-la tem que ter mais tesão, muito mais, força Noronha que tu agarra ela. Quanto à Thaty, atenção no monocórdio. De todas as vezes que a vi subir no palco, poucas vezes a vi calibrar o timbre da voz, coisa importante para não termos sempre Thaty no palco. Destaque para o ponto em que ela se despede da personagem de André, para mim o momento de maior luz na cena, ficam desenhadas com clareza o desgosto em Jailton, e o flerte entre Thaty e André; agora o trabalho é levar essa luz para o resto da cena. Fiquei sabendo depois que André é um homem prestes à morte, isso pode ficar mais claro, o desenho do sentimento pode ser maior.

André tem que tomar cuidado com o desejo de falar com a platéia, hábito de certos tipos de montagem mas fora de contexto naquela cena, o peguei duas vezes morrendo de vontade de segredar sua vida para um dos espectadores.

E Thaty tem uma bomba em mãos, ela tem uma passagem fortíssima no fim da cena e correu dela com um fogo danado. O jeito é enfrentar minha filha. As coisas que você diz naquele momento da carta são a Pedra no Caminho de Drummond, você pode enfrentá-la e ser lembrada como a grande atriz que você é ou pode correr dela, como correu ontem, e nós nunca saberemos do que você é capaz.

Entretanto eles foram os únicos que foram pegos no momento transformação do nosso querido professor André 'Tortsóv'. Inveja geral na sala.

E falando nesse momento lembrei de duas coisas. Uma importantíssima para o ator - houve um problema com o texto na cena de André, Jailton e Thaty, levantaram na turma a questão da dificuldade de reter o texto.

Na "Criação de um papel" do Mestre Stanislavski, ele faz uma cena de Shakespeare sem deixar que os atores leiam o texto, usando das próprias palavras para atingir os objetivos da cena. E é aí que quero chegar. Um ator que esquece texto é um ator que não tem razão de ser na cena. Nenhuma personagem está lá somente para aparecer para o público. Muito pelo contrário, todos estão lá por um motivo e com um propósito - na verdade não apenas um, mas vários, que vão se sucedendo e substituindo na linha de ação - portanto um ator que não saiba o texto, mas entenda seu motivo de ser poderá tranquilamente dar andamento à cena. O texto, visto desse prisma frio, como coisas para falar no palco, é veneno para o ator. Mestre Stan sugere que devamos correr ao texto quado estivermos prontos para expressar a nuança de espírito na riqueza de nossas personagens. Não nos afobemos, por favor. E nunca, nunca, em cena aberta, olhemos para uma pessoa e digamos "Pára a cena. Era teu texto". A não ser que seja uma proposta, mal do mundo contemporâneo.

E ainda sobre isso, tive a oportunidade de ensaiar com Jailton para a cena de 'Anjo Negro' e sei o ator incrível que ele é. Não tenha medo meu filho, vai com tudo, você não precisa da aprovação de André nem do público, você precisa de coragem para continuar. Assim que você pegar esse tesão e ir até o fim todos irão te atirar flores na ribalta. Como no exercício do estuprador. Ali você até quis, por alguns segundos, recuar, mas não, foi até o fim e foi uma cena que jamais eu esquecerei.

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