Professor Tortsóv I

07/04/09 - Sobe o pano. Nos bastidores André estava desde 18:00 no SESC lendo não sei o quê na biblioteca, mas a aula só começou às 19:00. Seis e meia em ponto, um rumor correu e atravessou as espinhas dos alunos da Escola SESC de Teatro, como se as lâmpadas levassem a notícia "André Filho está na sala" - Todos se puseram a correr como loucos para o banheiro - maquiar-se, vertir-se e vomitar - Enquanto André estava na sala, sentado em sua cadeira, como um pilar "onde estão todos, onde estão todos?" e os poucos que já estavam na sala, suando litros, respondiam "já vêm, já vêm" desejando com todas as forças que os outros alunos não viessem nunca.

Quando todos voltaram do banheiro, vestidos, maquiados e leves começamos. André, em sua boa linha de professor Tortsóv começou a aula com um longo blá aristotélico que, imagino, objetivava preparar nossos espíritos para o ritual a seguir, claro que ele apenas nos preparou para o abate. Entre suas palavras pesquei um pouco dos motivos que o levaram a escolha de Stanislavski, Artaud e Grotowski para os seminários; que também deveríamos por conta pesquisar outros, como Brecht, Boal, Kantor e outros. Que um curso de dois anos não forma atores, blá... Mas o que eu pensava mesmo era "#$%¨$#$#, começa logo" Então veio a pergunta fatal "quem vai primeiro?".

Todos juravam e torciam para irem Beto e Ingrid, que já haviam disposto o cenário para a cena deles, mas eles fizeram doce e eu não me aguentei. "Olha André, se ninguém quiser nós vamos". Ninguém quis e nós fomos.

Aí abro um parênteses para defender aqui publicamente a minha tese do "não enrola e vai logo". Cada um lida com o nervoso de um jeito. Apesar que admito que não estava nada nervoso, talvez tenha pecado até pela máscara da segurança e fechado em parte minha capacidade de entrega. Thom Galiano, o primeiro cara com quem estudei os mistérios do ator dizia "o ator sempre vai primeiro, o ímpulso é tão importante para o ator quanto o intelecto. Mas em cena o ímpulso é mil vezes mais importante que o intelecto". Assim, se estamos prontos para fazer, por que não fazê-lo? O ajudante do professor Tórtsov também diz isso para Kóstia no exercício do tapete, no livro "A Preparação do Ator" 'Escolhe qualquer um, não pergunte, faça; não hesite, invente'; é uma citação indireta, tô com preguiça de caçar as palavras exatas, mas o espírito é esse. Sem mencionar que tívemos muito mais tempo que os outros grupos, de forma geral, porque fomos os primeiros, é impossível sentir-se à vontade para sentir os mistérios da emoção humana sabendo que o SESC fecha em meia hora, como Mauro e Camilla tiveram que fazer.

E falando em excesso de intelectualidade, eis o principal pecado de nossa cena. Hoje, depois de uma boa noite de sono e alguma reflexão sobre o assunto vejo que a cena estava chata mesmo. Cada um diz o que acha, eis a graça de nossa brincadeira, Camilla dos seis nomes me disse uma coisa importante "Tava muito tenso em cena Diogo, relaxa pô!", vero, estava mesmo. Já notei que as vezes faço força para fazer bem feito. E se for bem feito, não vou precisar fazer força, será extremamente natural.

Mas vamos lá. Analisando nosso o processo de criação, vejo que houve um "excesso de proposta", mal comum à artistas e pensadores já a tal pontos envolvidos no conceito de "contemporâneo" que de fato estão saturados pelo mesmo. Mais, o foco do trabalho era claro "aplicar as idéias de Stanislavski", dentro desse limite, um bom artista iria mostrar as infinitas possiblidades deste limite ao seu público. Ademais, o foco é o trabalho de ator, os desafios do texto. Eis a verdadeira proposta. Não intelectualização vazia e desfocada matriz de excessos - excesso de direção, excesso de marca e excesso de proposta.

Mea culpa, mea culpa. Até ontem me faltou a humildade para ver o óbvio com a clareza que a ele cabe. Azar, semana que vem tentamos de novo.

Já sobre a nova tentativa, aqui os tópicos que anotei para o crescimento da cena:

- Abolir a sonoplastia, buscar ouvir a menina que grita até a morte para parir o menino que nunca sai com os ouvidos interiores e levar ao público não seus gritos, mas sua impressão na alma das personagens em cena. Para mim um dos grandes desafios para a semana. Principalmente porque nunca imaginei essa cena sem os gritos. Terei de derrubar preconceitos e preconceitos, além de muito trabalho, para conseguir isso.

- Esquentar a cena. Uma ação que acontece as vésperas de assassínios e siucídios realmente precisa de mais entrega humana. Veremos o que pode ser feito nesse quesito.

- Trabalhar tempo-ritmo e pausas. Espero que corrigindo esses pontos possamos levar a cena do rótulo de 'chata' (fui eu mesmo que dei, achei até mesmo chato fazê-la, intelectual demais, humano de menos) para o rótulo de 'emocionante', objetivo muito mais interessante para um ator. Entretanto acho que isso será a parte fácil, assim que abolirmos o excesso de propóstas e voltarmos para naturalidade que nos faz humanos, temo que isso acontecerá sem muito esforço.

- Enriquecer as personagens e trabalhar mais a fundo os opostos. Procurar mais recheio, claro, em se tratando de teatro, recheio nunca é demais, desde que nas proporções corretas. Inclusive ontem mesmo já estive viajando nessa sugestão e sentindo novas facetas da intrincada alma de Edmundo.

Enfim é isso, para a semana veremos o que sai.

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