Adorável Júlia

08/04/09 - Sobe o pano. Professora Evânia não pôde ficar conosco toda a aula mas deixou um filminho para assistirmos. Nós tentamos professora, juro que tentamos. Aqui a ficha do dito

Título Original: Being Júlia
Gênero: Drama, Comédia
Ano: 2004
País: Canadá, Hungria, Reino Unido
Distribuidora: Paris Filmes
Duração: 105min
Diretor: István Izabó
Elenco: Annette Bening, Jeremy Irons, Bruce Greenwood

Pequena ficha jornalistíca do filme:

O quê: Atriz briga violentamente com o tempo, mal de todos nós
Onde: West Side de Londres
Quando: Anos trinta
Como: Um amante da idade de seu filho

Interessante como essa análise simplória capta o espírito do filme. Júlia Lambert é uma atriz muito bem acomodada ao seu posto de Diva, daquelas cujo nome leva multidões ao teatro. É casada com seu produtor em um relacionamento aberto, prática nascida na época e popular ainda hoje.

Júlia combate a própria fama com o fantasma da idade - beira os quarenta e no decorrer do filme ela é obrigada a se confrontar com os sinais de sua decadência.

O primeiro é Tom, um amante da idade de seu filho, que a ilude, a explora para no último ato revelar-se um cínico a altura das personagens de Nelson Rodrigues, um verdadeiro Boca de Ouro. No fim ele a troca por uma atriz ascendente, que todos dizem que será a próxima 'Júlia Lambert' já antevendo o fim da estrela.

Annette Bening, numa performance genial, mostra a podridão de alma que forma a atriz. Existem atores de todos os tipos, Júlia é dessas cuja performance é boa porque aprendeu a usar das técnicas de cena para blindar suas emoções na vida real, é uma mulher medrosa e emocionamelte fechada, quase incapaz de entrega. Apenas no seu momento de extrema decadência fora capaz de expor-se, e ao fazê-lo foi enganada por um João ninguém, o que apenas reforça sua blindagem para o clímax.

Essa confusão entre seus sentimentos e sua representação dá tônica à personagem, que além é constatemente pressionada a afirmar sua posição de diva; tornando-a extremamente artificial, mulher de gestos largos e risos falsos do momento em que acorda ao que dorme.

O final do filme é quase didático de tão categórico e contá-lo não estraga o divertimento do espectador - Ao perder o amante, o esposo e o papel de protagonista no próximo espetáculo em que participaria para a 'próxima grande fulana'. Júlia, na última cena, do último ato da estréia esbanja desenvoltura, experiência e improvisação comendo fulaninha com farinha em cena aberta, sem dá-la sequer a possiblidade de réplica antes de descer o pano.

O filme leva um ator a algumas reflexões, vou expor as minhas - Annette Bening é excelente atriz e esbanja talento no filme. Já a personagem que ela interpreta vejo como uma atriz podre e tacanha. Em primeiro lugar, em sua época os atores em geral já eram escolhidos por 'perfis' prática hoje ordinaríssima no cinema e prova cabal do imbecilidade das leis de mercado; a completa abstenção das possiblidades, da multiplicidade de leitura. Enfim.

Dois, Julia é extremamente egoísta e não gosto de pensar que um bom ator seja aquele que pisa em outro para sobressair-se ao público. Prefiro associar a atuação a conceitos como generosidade e entrega. É justo olhar as armadilhas que a encurralaram nessa saída violenta, mesmo assim não acredito que as circunstâncias sejam justificativa para tanto.

Outra observação que fiz foi a importância da experiência e do tapa para o ator. Já fiz alguns trabalhos de estudo da linguagem de palhaço e sei que uma das formas mais interessantes e peculiares de despertar o palhaço é o susto ou, como gosto de chamar, o 'tapa'. A lógica que cerca esse conceito é aplicável ao trabalho do ator. O 'tapa' nada mais é do que uma situação viva e imediata, que exija toda a concentração do ator; Esse, concentrado em tudo que tem de pensar, sentir, fica muito ocupado em tentar viver e vive pouco. O tapa, ou a ocasião de susto, de medo, de reação direta e imediata leva o ator a viver o que tem que viver e parar de pensar no assunto. A última performance de Júlia, apesar de egoísta, foi muito boa, não serviu à personagem nem à história, serviu ao público e a ela mesma. Entretanto foi vivaz, foi comovente, foi forte. Ela, acuada, numa situação extrema recebeu seu 'tapa' e esteve esplêndida em cena. Falta a generosidade, falta aplicar isso à serviço do todo. Mas nesse quesito ela esteve ótima.

E quanto à experiência, fica claro como ela vale milhões se comparado à coisas como 'beleza' ou 'talento'. A atriz mais velha come a mais nova em cena porque está mais à vontade, está mais viva, não teme o desconhecido da cena, muito pelo contrário, o procura por ser mais vivo, mais atraente. Se ela fosse capaz de conciliar isso com a história que estava contando, seria uma boa atriz.

Bem, dos meus pensamentos os mais importantes são esses. Boa semana santa a todos que rezam e muito chocolate para os que rezam menos.

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