O Capitão Tombado

Sobe o pano. Quase todos os alunos no SESC horas antes da aula ensaiando para a apresentação de André Filho, bom trabalho à todos. Já dentro da sala a primeira coisa que fizemos foi assistir a luta homérica entre Neemias, nosso ilustre professor de história de arte e o aparato tecnológico necessário para que assistíssemos ao filme "à viagem do capitão tornado", de Ettore Escola, com roteiro de Théophile Gautier e Vicenzo Cerami, rodado em 1990, todo em estúdio; inclusive dada essa limitação não existe plano aberto, é claro ao espectador, mesmo pelos padrões de 1990 que o cenário é falso e quase todas as tomadas estão recheadas de neblina para esconder o chão e fundo falsos.

Entretanto essa é minha principal ressalva do filme, pois na totalidade da sequência raras vezes me peguei reparando no ridículo da locação, na grande maioria viajei tranquilo e gostoso na história me deixando alegremente iludir pela poesia da película. As performances dos atores são muito boas, destaque para Massimo Troisi, no papel de Pulcinella, hilário; Emmanuelle Béart e Ornella Muti, nos papéis de Isabella e Serafina, respectivamente, lindíssimas.

A narrativa se passa entre a Itália e a França, em 1774, começa no meio, volta para o começo com flashbacks, retorna ao ponto em que começou no clímax e avança linearmente ao seu desfecho. Vicent Perez - O barão de Sigognac - está na carroça de uma trupe de atores à caminho de Paris mortalmente ferido e um fiscal de saúde que leva água para eles convence um deprimido Pulcinella a contar a história do Barão. Daí pulamos para um flashback ao começo da história.

O barão era um moleque falido e com piolhosaos cuidados de um servo gagá. A trupe pediu asilo em seu castelo frente à uma tempestade, entretanto só encontraram goteiras e carvão como hospitalidade. Na calada da noite o servo do barão os pediu que o levassem a Paris e inventou que se o Barão se apresentasse com uma espada ao Rei da França, ele restituiria a nobreza dos Sigognac por um dívida passada. Jean-François Perrier - O Sr. Matamorro, líder da trupe - acreditou na história e levou o barão consigo.

A partir deste ponto o diretor mostra sua genialidade em exibir a principal característica da commédia del'arte - a simbiose entre ator e personagem - ao passo que os atores da trupe receberam e trataram o barão não como si próprios, mas como as personagens que interpretam o receberiam. Assim a belíssima Serafina, que representava a cortesã, a adúltera o tentou seduzir enquanto Isabelle, que fazia a namorada, se apaixonou por ele. Pulcinella, o Arlequim assumiu para si o posto de servo do barão e ensinando-o a ser nobre.

Matamorro, o namorado, com ciúmes do novo nobre não desfalece de ciúmes, dando seu posto ao barão, que assume seu lugar como ator da trupe.

A filme tem frases memoráveis, dessas que falam à sensibilidade de qualquer ator, como "se não está louco nem miserável, ainda não é ator" ou "…Histórias de amor e aventuras… Você as terá mil vezes no palco… Mil vezes sorrirá, mil vezes vais chorar…" ou ainda "quem ama não é amado, quem é amado não ama".

É possível olhar a fome, a falta de instrução, a visão dos privilegiados sobre os atores, que os tinham como mendigos e cortesãos. E o movimento de nobres falidos e cultos sobre as trupes, o presságio da comédia renascentista francesa, que conheceria seu ápice em Molière, que manteve os tipos e a bufonaria nas histórias, mas passou a registrá-las e deixou perder nelas as máscaras que caracterizavam as personagens. Outra frase incrível do filme. Isabelle se amiga a um nobre e abandona a trupe, ao ver sua história escrita e satirizada pelo barão em uma peça pergunta "onde está nosso sofrimento?" e o barão responde com a máxima "ali, disfarçado na bufunaria. As pessoas só riem da desgraça".

Bem, foi isso. A quem interessar possa comentar para enriquecer a discussão acerca do filme.

A Viagem do Capitão Tornado

Elenco:

Vincent Perez (Baron of Sigognac)
Emmanuelle Béart (Isabella)
Massimo Troisi (Pulcinella)
Ornella Muti (Serafina)
Lauretta Masiero (Lady Leonarde)
Toni Ucci (The tyrant)
Massimo Wertmüller (Leandre)
Jean-François Perrier (Matamore)
Tosca D’Aquino (Zerbina)

Ficha Técnica:

Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 132 Minutos
Países de Origem: França / Itália
Idioma do Áudio: Italiano
Direção: Ettore Scola
Roteiro: Théophile Gautier e Vincenzo Cerami

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