Crueldade

19/05/09 - Sobe o pano, dia da crueldade. Chegamos todos por volta das cinco horas, mas com o nervosismo, põe lona, prepara as bugigangas - e tivemos de tudo, pedaços de carne, uma verdadeira aquarela de tintas guache, carvão, incenso, máscaras, um pedaço de pau para Dolores, uma bacia, tesoura, merda, lanternas, sonoplastia, carvão... Enfim muitas coisas, fomos começar pelas sete da noite.

Primeiro foram Paulinha, Vila e Beto apresentando "Prostituta Respetitosa", de Sartre . Muito bacana, nos colocaram todos pra dentro pelos braços, Mauro (uma vez contra-regra, sempre contra-regra) fez o trenzinho na luz junto à Tiago na sonoplastia enquanto o trio repetia freneticamente frases soltas; as luzes se apagam e Evilásio aparece completamente sujo grudado na parede, como um desesperado; as luzes se apagam, eles nos tiram enquanto procuram por um ministro, um senador, algo assim; as luzes se apagam, Roberto estupra Paula no escuro; as luzes se apagam, Roberto é tingido de todas as cores (teoricamente, na verdade ele foi pintado de verde, como o incrível Hulk, fazer o quê). Fim.

A discussão proposta pelo grupo era sobre o racismo e as verdadeiras cores do ser humanos, achei muito bacana.

Depois fomos nós, eu, Thaísa e Felipe, nervosíssimos. Fomos fazer Édipo Rei. Deitamos todos, tentamos os importunar com a praga que dizimava Tebas, os sentamos e inquirimos, como Édipo, quem havia matado o rei, Tirésias surge e revela a verdade, todos se levantam e acusam Édipo até que ele se cegue.

Tentamos muita coisa e não deu certo quase nada, mas valeu a experiência. Queríamos levar o público, no primeiro momento, á um nível de desespero que o fizesse querer sair dali sem poder, queríamos assutar, fomos ridículos. Azar. Depois, não percebemos que manipular dezessete pessoas leva tempo demais.

O engraçado foram os feedbacks contrastantes. Alguns viajaram bastante, outros não. Enfim, cada um fez seu próprio espetáculo, dessa perspectiva foi válido.

Logo em seguida Tiago, fazendo "Marat Sade", de Peter Weiss, foi estranho, faltou acreditar no que se está fazendo. Mais importante que processo, nota, aluno, professor, cachorro ,gato, dar cambalhota, agradar, não agradar, é acreditar no que se está fazendo. E encontrar isso é a busca de uma vida.

A partir daí a ordem se perde em minha mente, mas acho que depois foram Biaggio e Camilla, com a "Obscena Senhora D.", de Hilda Hilst, a tal. Muito impressionante, entramos todos com Biaggio cheio de fita adesiva falando coisas estranhas e nos posicionando enquanto Camilla dançava loucamente em cima da mesa. Depois descobri que ela estava derrubando o convencionalismo da mesa posta, antes disso pensei que ela era uma striper mesmo. Muito bacana o texto e a maneira como eles brincaram com ele. Adorei a cena em que eles devoravam a carne. Não tem mais muito o que dizer, essas coisas são o que são e são muito válidas assim.

Depois Ju, Thaty e Guil em Álbum de Família. Aplauso para Ingrid, eu sei que as meninas se descabelaram para fazer a cena delas e foi muito bacana, o destaque de Ingrid foi como ela conseguiu contornar a neurose de Ju com as escapadinhas e enroladinhas de Thaty. A cena ficou muito bacana, com elas fugindo de medo da irmã no meio da noite, com malhas super finas, ui ui. Deram beijinhos na plateia, Noronha e Geraldo, para ser mais preciso.

Elas ficaram agoniadas porque não saiu "Artaud" mas no seu consolo eu argumento que a única pessoa que poderia fazer "Artaud" era Artaud, e nem ele se fez, portanto não sofram.

Depois... depois, quem foi mesmo hien? Acho que foi André Garrel e João Lobo, definitivamente a grande revelação da noite. João atuou de uma forma que surpreendeu a todos além dos limites do explicável, no mesmo Marat Sade, inclusive houve o primeiro nu do curso, com João tirando a roupa e entrando na bacia para ficar muito, muito doido. André estava na mesma onda, muito impressionante e saiu ameaçando a todos com uma tesoura para finalmente picotar o cabelo de João, numa paródia de Zé Celso, em "Para por um fim no juízo de Deus".

A penúltima foi DJ Dolores com Geraldo, novamente não foi Artaud, mas foi incrível. Geraldo colocou bosta para cheirar, mas só funcionou para quem estava em linha reta, quem estava nos lados não sentiu o cheiro, tanto melhor ou tanto pior, acho. Dolores se destacou, voz, energia, tudo, muito, muito bom vê-la em cena. Ah, sim, não sei qual foi o texto, depois descubro e corrijo.

Por fim Marquinhos, Noronha e Bianca em outro texto que não lembro. Muito interessante, foi uma cena tapa, Marquinhos, o pai de Bianca e Jailton saia, Noronha estuprava a irmã, o pai chegava, via a filha morta e estuprada e matava o filho. Muito forte, muito rápido. André criticou a dramaturgia.

Deixa eu falar meus pareceres sobre essa história de dramaturgia. Eu entendo perfeitamente que André nos direcione para textos seguros, isso porque somos principiantes e é melhor não arriscarmos em coisas ruins, já que temos interesse e potencial, porém é preciso ver a verdade de cada texto. O ideal é encontrar uma literatura respaldada que nos fale, mas se encontrarmos a verdade em coisas mas simples, também acho que não a devamos ignorar.

No geral, minha visão sobre o trabalho de Artaud foi - Uma liberdade muito maior e menos noiática sobre o ofício de atuar, não tem a ver com menos esforço, e sim com mais liberdade. A grande busca dum processo que vibre seu corpo todo, desde o dedo mindinho até o último fio de cabelo e a grande concessão poetica no palco, necessária a tornar nossa arte mágica.

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